Projeto Roots facilita a «contaminação» artística em Lagos

Fefe Talavera (Brasil), Abraão Vicente (Cabo Verde), Jorge Dias (Moçambique), Isabel Lima (Inglaterra) e A. Pedro Correia (Portugal). Estes cinco […]

Fefe Talavera (Brasil), Abraão Vicente (Cabo Verde), Jorge Dias (Moçambique), Isabel Lima (Inglaterra) e A. Pedro Correia (Portugal). Estes cinco artistas plásticos, de origens, nacionalidades e histórias pessoais e criativas diferentes, estiveram 20 dias numa residência artística em Lagos e o resultado de tudo isso pode agora ser apreciado, até dia 30 de dezembro, no Laboratório de Artes Criativas (LAC), naquela cidade.

Todos tinham como ponto de partida um tema comum – Roots (Raízes) ou antes, a escravatura. E porquê este tema em Lagos? Porque em 2009, escavações arqueológicas preventivas antes da construção de um parque de estacionamento na cidade, puseram a descoberto um cemitério de escravos do século XV, com 140 esqueletos.

A forma como alguns dos esqueletos foram encontrados, misturados com ossos de animais, como se a zona fosse uma lixeira de coisas e não um cemitério de seres humanos, lançou o debate em Lagos, com a cidade a redescobrir esse passado com seis séculos, quando foi entreposto de escravos. Uma época esquecida, mas da qual até agora subsistia um único monumento, o Mercado de Escravos.

A.Pedro Correia, o representante de Portugal nesta residência artística, sublinhou que, apesar do tema comum, «cada um de nós foi livre de o interpretar como quis, uns com referências mais óbvias, outros nem por isso».

Ainda assim, como sempre acontece numa residência artística com participantes diversos, foi importante «o fator artístico de trabalho e de relação humana que se estabelece e que faz com que algo se misture».

A.Pedro Correia apresenta duas obras – uma quase escultura em MDF, com rostos todos iguais, e uma instalação com fotografias e vídeos, de desenhos de caras de escravos feitos com formigas. Com formigas? Sim. No caso dos vídeos, até se vê as formigas vivas a trabalhar na obra. Uma metáfora, segundo o artista, para a «massificação do trabalho», dos «escravos como formiguinhas a trabalhar», «da massificação do tráfico de escravos e da dispensabilidade do recurso». Para perceber melhor, só indo ao LAC visitar a exposição Roots.

Abraão Vicente (Cabo Verde), por seu lado, em conversa com o Sul Informação, salientou que como cabo-verdiano que é, a sua nacionalidade e identidade foi, de certo modo, «inventada a partir dos Descobrimentos portugueses», sublinhando que toda a sua obra se ancora no «movimento da negritude», mas mais «no percurso do homem negro depois de ter saído de África», na Europa, na América e até no seu regresso ao continente africano.

As obras de Abraão expostas no LAC são feitas com cartão e madeira velha, com cores fortes contrastantes – vermelho, negro – que se destacam para dar força a mensagens escritas.

O jovem artista, depois de Lagos, regressa a Cabo Verde para, em janeiro, ir para os Estados Unidos, participar em novas residências. «A globalização também chegou à arte e eu sou convidado para vários pontos do mundo, para refletir sobre temas que têm ou não a ver com as minhas vivências».

«Somos um grupo com linguagens muito diferentes, com abordagens muito diversas, mas foi possível trabalhar em cima deste projeto, e isso permitiu a contaminação, através da plástica de cada um, das propostas de cada um», disse, por seu lado, Jorge Dias, de Moçambique.

A residência criativa Roots teve até o condão de fazer um escultor voltar a pintar, como comentou Jorge Rocha, artista plástico e um dos responsáveis pelo LAC e por esta iniciativa. De facto, o moçambicano Jorge Dias há onze anos que tinha deixado a pintura. «Tenho feito escultura, instalações vídeo, fotografia», mas o «estar aqui levou-me a formas de concretizar um trabalho em pintura».

É que, sublinhou Jorge Dias, «uma residência também é isto, é permitir experimentar, aventurar-se em alguns projetos que futuramente podem ser melhor resolvidos».

Quanto à escravatura, o artista moçambicano frisa que se trata de um «tema forte», «que faz parte da história deste triângulo – África, Europa, América – que se começou a construir no século XV».

Curiosamente – ou talvez não -, Jorge Dias considera que a escravatura «teve também o seu lado bom», porque, «de alguma forma forçou proximidades de cultura. O Brasil, por exemplo, tem uma cultura híbrida. Os povos africanos foram levados para o continente americano ou europeu e isso enriqueceu essas culturas».

Por isso, garante o artista moçambicano, «a contaminação das culturas é o lado positivo da escravatura».

A obra de Jorge Dias exposta no LAC, em Lagos, é composta por grandes peças, que vogam entre a pintura e a escultura. São, nas suas palavras, «formas estilizadas de objetos, de esculturas, transformadas numa nova imagem». E, dando corpo à contaminação de que fala, as suas obras integram o contributo, sob a forma de graffiti, de Jorge Pereira, um dos responsáveis pelo LAC. O mesmo artista colaborou também em obras de Abraão Vicente.

Jorge Rocha, um dos responsáveis por esta residência criativa do LAC e ele próprio um artista multifacetado e habituado ao cruzamento de influências, salienta que uma iniciativa deste tipo pretende promover «a partilha de experiências: partilhar vidas, métodos, até as nossas culturas».

O Projeto Roots não se vai ficar por aqui, apesar de muita coisa ter já sido feita – além da residência criativa em si, houve ainda um debate público denominado Conexões Roots, em que a escravatura, como não podia deixar de ser, foi o fio condutor, enquanto no dia 8 será lançado o catálogo da exposição e entretanto está a decorrer um ciclo de cinema. O Roots é, segundo Jorge Rocha, «um projeto a cinco anos, que no próximo ano pode passar por Cabo Verde e depois por Moçambique, e depois…Queremos fazer isto em Maputo, temos que continuar a trabalhar estas conexões à volta do tema».

O projeto Roots surgiu da direção do LAC (Maria Alcobia, Nuno Pereira e Jorge Pereira)  que depois convidou Jorge Rocha e o arqueólogo Rui Parreira para colaborar.  «Agora, o LAC vai fazer o balanço e a projeção dos próximos anos deste projeto», acrescenta. «Um dos desafios é acompanhar o percurso de cada artista, no próximo ano, nos próximos anos, a partir daqui».

E ver o que ficou nas suas obras destes vinte dias de trabalho em comum, na antiga cadeia de Lagos, que hoje, um pouco contraditoriamente, alberga um espaço de liberdade e de criatividade, o LAC.

 

Programa:

EXPOSIÇÃO ROOTS
12 de Novembro a 30 de Dezembro
De quarta a sábado, das 16h às 19h.

CICLO DE CINEMA
24 de Novembro, 1 e 8 de Dezembro
Um conjunto de filmes esboçam o olhar triangular sobre cinematografias que se cruzam no espaço atlântico.

LANÇAMENTO DO CATÁLOGO ROOTS
8 de Dezembro

 

Veja a Fotogaleria sobre a exposição Roots na coluna do lado direito —>>

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